Golpe do Falso Advogado já atingiu 17,5 mil pessoas no Brasil, diz OAB
O “golpe do falso advogado” vem se alastrando pelo país. A prática, criminosa, consiste na fraude da identidade de advogados para a aplicação de golpes financeiros em seus clientes. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), já foram registrados 17,5 mil casos do tipo no país.
O problema vem causando prejuízos à prática da advocacia e, principalmente, danos financeiros à clientela, mas a resposta ao crime ainda é tímida. O cenário também é agravado pela “inércia” das big techs.
Em posse de dados detalhados de processos judiciais reais, os criminosos entram em contato — geralmente via WhatsApp — com clientes de escritórios de advocacia, informando que suas causas foram ganhas. Com a falsa promessa de que há um valor a receber, os clientes são induzidos a pagar taxas inexistentes. Em alguns casos, os estelionatários, sem maiores explicações, orientam as vítimas a realizar transferências.
Golpe em São José do Rio Preto (SP)
Foi o que aconteceu com Ana Maria (nome fictício), de 60 anos. No início de julho, ela recebeu uma mensagem pelo WhatsApp com o que parecia ser uma boa notícia: a ação que movia contra uma companhia aérea havia sido ganha, e ela receberia cerca de R$ 60 mil a título de indenização. Embora o número do telefone fosse diferente, a foto e o nome do perfil no WhatsApp simulavam o contato do seu advogado real. Ela ainda não sabia, mas estava interagindo com um golpista.

Captura de tela mostra contato inicial de golpistas, que anunciaram vitória em ação judicial contra companhia aérea — Imagem: reprodução
Durante a conversa, o falso advogado disse que estava, naquele exato momento, em uma audiência online, e afirmou que Ana Maria receberia a ligação de um assistente do escritório para concluir os trâmites e liberar a indenização.
“A partir daí foi que a coisa desandou de vez. Essa pessoa me ligou e conversava comigo como se soubesse tudo sobre o meu processo”, conta. Passo a passo, os falsos advogados fizeram com que a “cliente” expusesse dados bancários sensíveis. Em uma chamada de vídeo, ela foi guiada, sem perceber, a fazer uma transferência de R$ 50 mil. Quando se deu conta do que estava acontecendo, já era tarde.
“Ele [o falso advogado] me perguntou se eu acessava minha conta bancária pelo celular ou pelo computador, eu respondi, e ele foi ‘me ajudando’. Ele falava as coisas e eu ia fazendo. Estava mostrando a minha conta para ele (…) Depois de todo o acontecido, você entende que tudo ali indicava que era golpe, só que naquele momento, daquele jeito, eu simplesmente estava fazendo, como se fosse um robozinho”, relata.
Casos semelhantes em outros estados
Casos como o de Ana Maria têm sido comuns em todo o país. O advogado e mestre em Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social, Everton Leandro da Costa, contou à Lupa que vários de seus clientes, no Mato Grosso e em Minas Gerais, já foram abordados por criminosos fingindo ser ele. Costa descreve ação semelhante.
“O golpista pega a sua foto, a mesma do WhatsApp, e monta um perfil idêntico ao seu. O número é diferente, mas o cliente não percebe, porque está acostumado a ver aquela foto e falar com aquele nome. Muitas vezes, o processo nem chegou à mão do juiz ainda, e eles ligam para o cliente dizendo que deu certo. (…) E conseguem convencer pessoas instruídas, não são leigas, não são pessoas sem instrução”.
Além do uso das fotos dos advogados reais e da falsa promessa de ganhos, há outro padrão na atuação dos golpistas: os ataques não são aleatórios. Os criminosos costumam acessar, em bloco, os processos de um mesmo advogado ou escritório e, em posse de informações detalhadas sobre as ações em curso, aplicam os golpes nos clientes.

Exemplo de tentativa de golpe do falso advogado; mensagens golpistas contêm erros de português e acusam o governo — Imagem: reprodução
Casos em Poços de Caldas (MG)
Os clientes da advogada Andréia Bonel enfrentaram duas ondas de tentativas de golpe: a primeira em abril, e a segunda no final de julho. Em um dos casos, a causa já estava perdida, mas mesmo assim os golpistas entraram em contato com a cliente, pedindo o pagamento de uma taxa inexistente. Para quitar a suposta dívida, a cliente quase contraiu um empréstimo. O golpe só não se concretizou porque ela foi presencialmente ao escritório.

Tentativa de “golpe do falso advogado” tem forçado advogados a emitir alertas aos clientes — Imagem: reprodução
Na ofensiva de abril, a advogada chegou a perder dois dias de trabalho para lidar com as fraudes. Foi preciso comunicar aos clientes que não confiassem em quaisquer cobranças, armazenar provas e registrar boletins de ocorrência. Embora nenhum cliente tenha tido prejuízo financeiro, as tentativas persistem.
Em vídeo, a advogada alertou: “Novamente venho informar que pessoas e outros números que não os meus e que não do escritório estão entrando em contato com clientes e solicitando dados bancários e fazendo cobranças (…) Trata-se do golpe do falso advogado, novamente eu deixo o alerta. Não passem seus dados e não façam nenhum pagamento”.
Falta de resposta eficiente das autoridades e big techs
Publicações em redes sociais com alertas sobre o crime tornaram-se comuns. No entanto, ações efetivas ainda esbarram em limitações estruturais. O enfrentamento aos crimes é, na maioria das vezes, responsabilidade das polícias civis estaduais. A Polícia Federal não possui dados consolidados sobre o golpe no país.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2024, o Brasil registrou ao menos 281,2 mil casos de estelionato digital. Em Minas Gerais foram 53,9 mil, e em Mato Grosso, 21 mil. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará não divulgam dados específicos sobre golpes virtuais.
Vazamento de dados e inércia da Meta
O advogado Eduardo Ferrari, coordenador da Força-Tarefa de Enfrentamento ao Golpe do Falso Advogado da OAB-SP, afirmou que golpistas também obtêm informações por meio de vazamentos de dados. Em alguns casos, conseguem até mesmo senhas de advogados reais para acessar detalhes dos processos.
Além disso, Ferrari denuncia a inação das grandes empresas de tecnologia: “O descaso ou a inércia por parte das big techs, especialmente a Meta [dona do WhatsApp], dificulta o bloqueio dos números utilizados e não dá devolutiva em tempo razoável (…) Às vezes são feitas várias denúncias e o número continua ativo durante meses”.
Em nota à Lupa, a Meta respondeu que investe em tecnologia e segurança, e que não tem acesso ao conteúdo das mensagens devido à criptografia de ponta a ponta.
Medidas de combate e prevenção
A OAB-SP lançou uma cartilha de prevenção com orientações aos clientes. Uma das principais recomendações é acionar o Mecanismo Eletrônico de Devolução (MED) do Banco Central para tentar reaver valores transferidos via Pix em caso de fraude.
Segundo a entidade, a campanha levou a uma redução de 54% no número de ocorrências no primeiro semestre de 2025.

Também foi lançada a plataforma ConfirmADV, onde é possível confirmar a identidade de um advogado por meio do número de inscrição na OAB, estado de registro e e-mail cadastrado. Se o advogado não validar a identidade em até 5 minutos, a consulta é invalidada e o usuário é alertado.
A OAB também possui um canal de denúncias específico para vítimas desse tipo de golpe. Em nota, o presidente da OAB, Beto Simonetti, reforçou o compromisso da entidade em proteger a advocacia e a sociedade.
Dicas para não cair no golpe do falso advogado
Diante dos relatos ouvidos pela reportagem, seguem algumas dicas importantes para se proteger:
- Desconfie de mensagens de números desconhecidos, mesmo que usem fotos e nomes de contatos reais.
- Nunca faça transferências sem confirmar diretamente com seu advogado pelos canais oficiais.
- Verifique sempre o número do contato e confirme presencialmente ou por telefone fixo do escritório.
- Jamais envie dados bancários ou pessoais sem confirmação da identidade do solicitante.
- Utilize a plataforma ConfirmADV para validar a identidade do advogado.
- Em caso de suspeita, registre boletim de ocorrência imediatamente.
Crédito do artigo original: “Golpe do falso advogado já atingiu 17,5 mil pessoas no Brasil, diz OAB” – Agência Lupa